As clássicas considerações de Jolivet sobre a Democracia

Régis Jolivet, doutor em filosofia e em letras, decano da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Lyon, deixou um vasto património no campo da filosofia moral e política e da história da filosofia, tendo recebido a mais alta condecoração francesa do seu tempo, a Ordem Nacional da Legião de Honra. Reúne uma série de considerações interessantes nas matérias que concernem este site. As suas obras foram usadas durante um tempo considerável nos meios académicos, e muitas das suas teorias e doutrinas mantêm-se atuais, tais como as suas considerações acerca das democracias.

O autor considera existir aquele regime democrático eletivo, que supõe “a escolha pelo povo, em períodos regulares, e por via de eleição, dos seus representantes, que recebem o mandato de governar em seu nome para o bem comum de toda a nação. Esses representantes escolhem, por sua vez, segundo regras constitucionais definidas”, os responsáveis “pela gestão dos interesses públicos” (p. 447). Um sistema, segundo o autor, adaptável até às monarquias, tal como no caso inglês, onde o soberano, de certa forma, preside aos destinos da nação e assegura a continuidade e idoneidade da política nacional. Entretanto, o filósofo não exclui a possibilidade de regimes ditatoriais, que partem do sufrágio, quando o povo escolhe um representante que reúne em torno de si a totalidade dos poderes políticos, de modo vitalício ou temporário. Ou seja, as democracias não garantem por si a ausência de populismos e extremismos, totalitarismos que ameaçam as sociedades, um poder que segundo Jolivet conduz a “tempos de crise” e de “perigo nacional”. Entretanto, será que uma ditadura poderá permanecer um regime democrático, ainda que não seja vitalícia ou que se arrogue dessas prerrogativas? Rousseau considerava que sim. Jolivet defende que não, na medida em que a ditadura “redunda no abandono puro e simples dos princípios e da razão de ser da democracia” (p. 448). Denuncia mesmo todos aqueles que exercem uma autoridade distante das exigências do bem comum, inspirados na vontade arbitrária do partido e que empregam, se necessário, a força. A tirania, “pendor normal” da forma ditatorial, conduz à degradação da democracia.

O autor reconhece que a democracia (sem a tirania) é conforme ao direito natural e historicamente tem servido para promover o bem comum da sociedade. Entretanto, não tendo existido um regime perfeito, também ela tem as suas fragilidades e poderá deteriorar-se. Existe essa possibilidade a partir do momento “em que o número faz a lei”, aquilo que o autor apelida de “tirania do número” ou “o despotismo das maiorias”; o facto do partido no poder governar muitas vezes “no seu próprio interesse”; o favorecimento dos seus adeptos, e a facilidade com que estes acedem às funções públicas; a demagogia que é empregue para arrebatar eleitorado”; sobretudo, a divisão do país “em partidos hostis, que se acham em competição permanente pela conquista do poder, e mantêm a nação num estado de agitação nocivo ao bem comum”. Jolivet cita uma frase curiosa de Montesquieu: “o regime democrático só pela virtude pode sustentar-se” (p. 449). E recomenda que os governantes tenham limites mediante uma precisão dos direitos e atribuições, competências definidas “de modo a afastar os riscos do arbítrio e do capricho” (p. 449). Deve ser moderado, sem se afastar das especificidades do povo que governa e das tradições nacionais, procurando assegurar-lhe “a felicidade social, que é o fim da sociedade civil” (p. 451). E “favorecer, na ordem e na paz, a perfeição física e moral”, “assegurar a paz interior e exterior”, “a prosperidade” nos seus múltiplos aspetos e a justiça social (p. 454-455). Um pequeno resumo de uma obra tão extensa quanto necessária, um clássico que não faria mal nenhum às democracias rever e aprofundar.

JOLIVET, Régis. Tratado de Filosogia. Tomo IV. Trad. Gerardo Dantas Barretto. Livraria Agir Editora, 1986.

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