
Se perguntássemos aos mais comuns dos homens o que as palavras ministro ou ministério lhes sugeriam semanticamente, certamente eles estabeleceriam uma relação com autoridade, mando, governo… talvez alguns falassem de corrupção, abuso de poder ou outras politiquices dos habituais críticos dos regimes democráticos mais desgastados. No dicionário, entre os antónimos, encontraríamos as palavras submissão, serviço, obediência. Todavia, recuando na história e recorrendo à etimologia dos vocábulos ministro ou ministério, ficamos surpresos por encontrar significados que consideramos hoje opostos. No latim, minus remete-nos para menos, muito pouco, minister para o servente, sacerdote ou conselheiro e ministerium para uma ocupação, ofício ou assistência. Este é o verdadeiro sentido para o ministro e o ministério, o mais autêntico, e talvez seja em boa medida aquele ao qual deveríamos voltar ao ocupar o múnus (também do latim munus, cargo, ofício ou dever).
A Igreja Católica, mantenedora há séculos desse conúbio entre o judaísmo e a novidade trazida por Cristo, e o que sobrou de um Império Romano que ruiu, mas que conservou muitos dos seus conceitos, leis e a própria língua, explica no seu Catecismo que o sacerdote ou ministro é um servidor do povo sacerdotal. O ministério, inclusive dos leigos, envolve sempre um serviço na comunidade. A ideia não é romana, mas o termo foi adotado para corresponder a essa nova doutrina dotada de poder, patente na Bíblia quando Jesus alertava os discípulos: “os governantes das nações dominam-nas, e os grandes têm poder sobre elas. Não deve ser assim entre vós, mas aquele que quiser ser o maior, seja o vosso servo (erit vester minister)” (Mc 10, 42-43).[1] Uma nova e revolucionária forma de poder como serviço, inerente na sociedade ocidental, pelas suas raízes cristãs romanas, à atividade política, conforme explica o historiador Woods Jr., ou o jurista Reale relativamente ao Estado, que se organiza “para servir, qualquer que seja a sua coloração doutrinária. Enquanto se organiza para atender a fins sociais e económicos, constitui-se como um sistema de serviços públicos”.[2]
Em democracia, o político corresponde na teoria (também o deveria ser na prática) a este servidor de todo o povo, que em liberdade e sufrágio o escolheu para representar e servir. Infelizmente, essa não é a atual e comum conceção, e o inebriante e alienante poder separa muitas vezes o mais bem intencionado candidato eleito dos seus iniciais bons propósitos. Talvez a Ética e a Filosofia Política pudessem ajudar, se não houvesse tantos políticos alheios a elas ou com outra formação. E quão importante seria hoje um retorno ao ministro original e originário e a um ministério autêntico, efetivo, até para salvar as democracias das emergentes pragas dos demagogos e dos populismos. E viver na comunidade, nas palavras de Cristo, “como quem serve” (Lc 22, 27).
Dr. Manuel Victorino
[1] “Scitis quia hi, qui videntur principari gentibus, dominantur eis, et principes eorum potestatem habent ipsorum. Non ita est autem in vobis, sed quicumque voluerit fieri maior inter vos, erit vester minister” – tradução da Vulgata.
[2] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27a. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 324. A ideia desta proveniência como vinda de “certa conceção religiosa do mundo” na obra do mesmo autor: Filosofia do Direito. 19a. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. Há também todo um capítulo que relaciona a grande dívida da política ocidental à Igreja Católica em WOODS JR, Thomas. O que a civilização ocidental deve à Igreja Católica. Lisboa: Atheleia, 2009.