Ensinamentos platónicos fundamentais à política e aos políticos de hoje

Platão, discípulo de Sócrates, admirou de tal forma o seu mestre que o tornou interlocutor dos seus diálogos, inspirando-se nele, embora sem nunca abdicar de escrever com originalidade e inovação. O exílio depois da morte deste fez com que depois de algumas peripécias e desaires, experimentasse na prática algo que desejava desde a sua juventude: a política. Uma ambição, conforme narra numa das suas cartas,[1] própria a muitos jovens da época, e que ele também desejava alcançar assim que a razão lhe permitisse. Consta que a experiência não foi positiva, fruto também de contingências próprias à época, embora talvez o filósofo estivesse mais fadado à influência – que de fato exerceu por ocasião da fundação da sua Academia –, do que ao poder. Há homens grandes demais para se envolverem na política, capazes da teorizar, mas pouco práticos no realizar, que pensam os assuntos do alto, com visão de águia, mas que se movem com dificuldade ao descer às minucias prosaicas da terra. Lá diz o antigo provérbio, aquila non capit muscas. Não nos esqueçamos que Platão é o homem do Mundo das Ideias, da busca pelo Sumo Bem, das alegorias e dos arquétipos, da alma e da mística. Dedicou uma parte importante da sua vida ao discipulado, ao pensamento, ao ensino, e à escrita. Deixando assim o seu grande legado à Grécia e à humanidade. A sua filosofia moral e política, é um desses grandes legados.

Em Platão encontramos a dualidade alma-corpo. E embora pareça desprezar o corpo como se de uma prisão da alma se tratasse, o filósofo não deixa de analisar o homem como um grande animal, social, onde a alma interage com o corpo, onde ambos precisam ser aperfeiçoados, o corpo através da ginástica, ou do exercício militar, a alma através da música, do cultivo do intelecto e da razão. É dentro destas correlações que Platão realiza, a meu ver, uma das mais interessantes reflexões político-sociais, aplicável ainda nos nossos dias. O filósofo grego distingue três partes da alma humana: a alma racional, ou razão (Nous), que tem como virtude a Sabedoria, a alma irascível (Thymós), à qual Platão atribui a força, e a alma concupiscente (Épithymia), que para o filósofo deve estar associada à virtude da moderação. A estas correspondem três regiões do corpo humano, a cabeça, que corresponde ao conhecimento das ideias, o coração, com as suas paixões e que move a vontade, e o ventre, o mais baixo de todos, corresponde ao campo da sensibilidade, das necessidades mais básicas. A estas noções, juntam-se as três classes sociais, que para Platão deveriam viver em harmonia e de acordo com o que lhes é próprio e a sua correspondente virtude:

  1. A alma racional – cabeça – sabedoria: À qual deveriam corresponder os aristocratas, os líderes, e especificamente, para Platão, os Filósofos.
  2. A alma irascível – coração – força: Constituída socialmente pelos guerreiros e as forças da ordem, com a sua bravura.
  3. A alma concupiscente – ventre – moderação: a classe dos produtores, dos trabalhadores, daqueles que se dedicam à atividade económica.

O regime ideal, para Platão, é a Aristocracia, mas quando o governo pertence aos filósofos, segundo ele, os únicos capazes de governar com a razão e de proporcionar a justiça e a felicidade aos povos. De acordo com o fundador da academia, uma autoridade entregue à força, aos militares, a timocracia, redunda na tirania e no despotismo, enquanto que o poder entregue às classes mais baixas, aos operários, a democracia, teria a incapacidade de tornar o povo justo, virtuoso e feliz. É verdade que, por um lado, Platão estava descontente com a democracia ateniense, mas não olha numa mera aristocracia das classes altas a solução para os problemas. Esta, deveria pertencer a uma classe educada, culta, amiga da sabedoria: os filósofos.

Penso que muitas das postulações platónicas permanecem válidas para os nossos dias, e talvez nem fossem necessários grandes comentários. A verdade é que observamos, hoje, ascender à política tanta gente despreparada, sem qualquer formação específica, sequer filosófica, social ou, pasme-se, política. Tantos “ventres”, preocupados mais consigo mesmos, com as suas necessidades básicas e não com o bem comum. Operários e até artistas, tantos incultos e outros estultos. Mas também quantas tiranias por esse mundo, militares ou governos militarizados, incapazes de gerir uma nação, onde a paixão sobrepõe-se à razão. Talvez a política estivesse melhor entregue se à democracia juntássemos essencialmente a aristocracia, fundamental a um múnus que deveria ser realizado com um mínimo de nobreza e conhecimentos. Se um professor precisa ser formado no âmbito para o qual vai ensinar, se um militar ou um polícia precisam de uma academia para se preparar, se um operário precisa ter os conhecimentos básicos para o exercício da sua profissão, não se entende como ascende à política qualquer um. Será o único ofício para o qual não se pede uma formação específica? A consulta popular não se deve descurar, mas uma coisa é a participação ativa do povo nas políticas públicas e o respeito pelas suas escolhas, em sufrágio livre e universal, outra coisa é a gestão e a liderança de uma nação. Elaboram leis aqueles que não têm conhecimentos para elas, governam nações homens e mulheres despreparados. Não admira que cada um tente levar adiante uns programazinhos políticos ridículos, realizados por uns quantos ideólogos, tantas vezes martelados em nações e povos que não se identificam com aquelas utopias, as únicas em que os políticos que as defendem se especializaram. Que visão apoucada, quanta mediocridade. É o que temos nas nossas democracias…Será uma ideia platónica desejar para as nossas sociedades ocidentais muito mais?

Dr. Manuel Victorino


[1] Carta nro VII – contestada relativamente à autoria de Platão, tal como as demais.

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